A torre de Babilónia

A torre de Babilónia

Era uma vez um pescador que tinha três filhas. Um dia, estando ele a tirar a rede do mar, achou que ela vinha muito pesada, mas muito admirado ficou ao ver que ela só trazia um enorme peixe. Mais admirado ainda ficou quando, ao tocar no peixe, este lhe disse: «Vai-me já buscar a tua filha mais velha, senão nunca mais tomarás a colher peixe e ficarás desgraçado toda a tua vida.»

Foi o pescador muito triste para casa e, tendo contado isto à filha, ela aprontou-se logo para ir com o pai, pois não queria que ele ficasse desgraçado. Levou o pescador a filha ao peixe e nos outros dias, quando ia pescar, sempre lhe aparecia o mesmo peixe pedindo-lhe as outras duas filhas.

O peixe, quando se viu de posse das três raparigas, deu grandes riquezas ao pescador e, se alguma vez por distracção este deitava a rede ao mar, mais ninguém colhia peixe senão ele.

Passado algum tempo, nasceu um filho ao pescador e cresceu e fez-se homem; desde criança que ele ouvira dizer que seu pai tinha vendido três filhas e por isso estava rico. O rapaz foi ter com o pai e disse-lhe: «Desde criança que tenho ouvido dizer que tive três irmãs e que o pai as vendeu a troco desta riqueza que possuímos.» Então o pai contou-lhe o que lhe tinha sucedido e o rapaz disse que estava decidido a ir procurá-las; debalde o pai o retirou do seu intento; ele teimou em ir.

Depois de ter caminhado muito, o acaso deparou-lhe três rapazes que estavam às bulhas e ele, metendo-se no meio deles, perguntou-lhe a causa daquela desordem, ao que eles responderam: «Nós somos irmãos e acabamos de perder nosso pai, que nos deixou por herança estas botas, esta manta e esta chave, e a contenda é porque todos queremos as botas.»

O filho do pescador perguntou-lhes para que serviam aquelas coisas, ao que eles responderam que as botas levavam quem as possuísse aonde desejasse ir; a manta, que, em uma pessoa se metendo debaixo dela, ficava invisível; a chave, que servia em todas as fechaduras.

O rapaz propôs a venda daqueles objectos, ao que eles anuíram, recebendo logo muito dinheiro e terminando assim a contenda. O rapaz calçou logo as botas e disse: «Botas, levai-me a casa da minha irmã mais velha.»

Dito e feito; atravessou o mar sem se molhar e viu um riquíssimo palácio e logo lhe apareceu a irmã, que, admirada de o ver, lhe perguntou quem ele era e como ali tinha ido. «Sou teu irmão», respondeu-lhe ele. «Mas eu não tinha irmãos.» «Não tinhas irmão quando nosso pai te vendeu, pois eu nasci depois disso.»

Ela então mostrou-se muito contente de o ver, mas aflita ao mesmo tempo, e disse-lhe: «Eu sou esposa do rei dos peixes e se ele, quando vier, aqui te encontrar é capaz de te matar.» «Não te dê cuidado isso, minha irmã, pois eu cubro-me com esta manta e ninguém me verá.»

Chegado que foi o rei dos peixes, o qual entrou fazendo grande barulho, a rapariga contou-lhe que estivera ali um seu irmão, mas que ela o mandara esconder, com receio de que ele o matasse. Então o rei dos peixes disse-lhe que muito desejava conhecer o rapaz e que não lhe faria mal.

Apareceu o rapaz e o rei depois disse-lhe: «Podes retirar-te e se te vires nalguma aflição diz: “Valha-me aqui o rei dos peixes.”» Saiu o rapaz da casa da irmã e disse: «Botas, levai-me a casa de minha irmã do meio.»

Dito e feito. Lá deram-se os mesmos casos que em casa da outra irmã, com a diferença que o marido desta era o rei dos que chegou a casa com grandes rugidos e na despedida deu ao rapaz um grande robalo e disse-lhe: «Quando te vires em aflição, chama por mim.»

Depois foi o rapaz a casa da irmã mais nova, que era mulher do rei dos pássaros; lá deram-se os mesmos acontecimentos que nas casas das outras irmãs e na despedida deu o rei dos pássaros ao rapaz uma pena das suas asas, dizendo-lhe que, quando se visse aflito, chamasse por ele.

O rapaz, satisfeito por ver as irmãs e com muitas riquezas que elas lhe tinham dado, dispunha-se a voltar à casa paterna; mas tendo-se perdido no caminho, depois de muito andar, avistou uma grande torre e perguntou que torre era aquela. Responderam-lhe:

É a torre de Babilónia;

Quem lá vai, lá fica e lá mora.

O rapaz, cheio de curiosidade, disse às botas: «Levai-me àquela torre.» E no mesmo instante achou-se lá; mas qual não foi o seu espanto ao ver as imensas riquezas que enchiam as salas que eram tudo maravilhas!

Caminhou, caminhou por toda a parte até que encontrou uma linda menina que ficou contentíssima de o ver e ao mesmo tempo apaixonada. O rapaz perguntou-lhe o que ela ali fazia, ao que a menina respondeu: «Há muito que eu estou encantada dentro desta torre, tendo por companhia um velho que está sempre a dar ais e tem bocados de tão horrível sofrimento que faz despedaçar o coração.» Então o rapaz aconselhou a rapariga a que instasse com o velho para que ele lhe dissesse o motivo de tal sofrimento; o que ela logo fez, mas com grande medo. Então o velho, com muito mais medo, lhe respondeu: «Conto-te tudo, porque vejo que te interessas por mim e porque sei que ninguém mais no mundo pode penetrar nesta torre. Há no mar um grande caixão que é a causa dos meus sofrimentos; quando lhe tocam, ainda mesmo que seja um pequeno peixe, são tais as dores que sinto que mais valia a morte e contudo eu não quero morrer. Dentro desse caixão está um grande peixe; dentro do peixe está um leão; dentro do leão está um pássaro; dentro do pássaro está um ovo e esse ovo quebrado na minha testa dar-me-ia a morte, mas até que ele chegasse teria eu de sofrer tanto, tanto, que é isso o que me faz recear morrer.»

Contou a rapariga tudo ao rapaz e ele tratou logo de procurar o tal caixão e tudo o mais que ele continha, valendo-se para isso dos maridos de suas irmãs. Para abrir o caixão serviu-se da chave que tinha comprado aos três irmãos. Logo que se viu de posse do ovo, foi quebrá-lo na testa do velho, mas ele dava tais urros que faziam tremer céu e terra.

Morto o velho, casou o rapaz com a menina e levou-a para a casa de seu pai; depois foi buscar as irmãs e ficaram vivendo todos muito ricos e muito felizes.

(Coimbra)

NOTAS

1 Variante:«Quemlávainuncadelátorna.»

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